O turismo no Pará tem atraído cada vez mais visitantes em busca de experiências autênticas. A exuberância da Floresta Amazônica – tantas vezes retratada em documentários e reportagens – é, de fato, um dos grandes atrativos para quem valoriza a natureza em sua forma mais pura. Mas há um ingrediente especial que torna essa vivência ainda mais memorável: a gastronomia. Muito além do fogão e dos temperos, a culinária paraense é uma expressão viva da cultura amazônica. Com raízes indígenas, trabalho ribeirinho e ingredientes nativos, ela reúne séculos de tradição em cada preparo. É uma cozinha que não se limita ao paladar: precisa ser vivida com atenção, respeito e curiosidade. Cada prato carrega história, território e identidade – e nos convida a saborear o Pará com todos os sentidos. Vamos descobrir alguns desses sabores em Belém?
Baía do Guajará
Entre história, cultura e uma vista deslumbrante, a culinária paraense ganha ainda mais sabor em um dos pontos mais emblemáticos de Belém. Localizada às margens da Baía do Guajará – onde os rios Guamá e Acará se encontram –, a Estação das Docas é um exemplo de revitalização que deu certo. Os antigos armazéns portuários foram transformados em um espaço vibrante que reúne gastronomia, cultura e lazer, sem perder o vínculo com a história da cidade. Por ali, restaurantes, cafeterias, lojinhas de artesanato e apresentações culturais dividem espaço com o vaivém de barcos e turistas. É o lugar ideal para experimentar pratos tradicionais como filhote na brasa, carne-seca com arroz de jambu e receitas com tucupi, sempre ao som da cidade e com o pôr do sol mais bonito de Belém como pano de fundo. Uma experiência que celebra os sentidos e a alma paraense.
Inaugurado em 2000, o complexo ocupa 32 mil metros quadrados e é dividido em três armazéns restaurados com estrutura original de ferro inglês do século 19: o Boulevard das Artes, o da Gastronomia e o das Feiras e Exposições. O espaço abriga ainda o Teatro Maria Sylvia Nunes e o Anfiteatro do Forte de São Pedro Nolasco, cujas ruínas remontam ao século 17, marcando a defesa histórica da orla de Belém. Os guindastes amarelos e a antiga máquina a vapor, símbolos da memória portuária, compõem a paisagem que mistura passado e presente à beira do rio.
O Museu do Porto de Belém, instalado no Armazém 3 da Estação das Docas, é outro destaque do complexo. Criado a partir de peças encontradas durante a restauração do espaço e de documentos históricos, o museu preserva a memória da navegação na Amazônia e das transformações do antigo porto. Entre vestígios arqueológicos e registros fotográficos, os visitantes podem conhecer mais sobre a dinâmica comercial que moldou a cidade e sobre o papel estratégico do porto na história do Pará – reforçando a Estação das Docas como um elo entre o presente e um passado de grande relevância cultural.
Além da culinária, a Estação pulsa com arte e tradição. Shows, peças de teatro e apresentações de dança acontecem diariamente, valorizando a cultura paraense por meio de projetos como o Pôr do Som, Cantando na Orla, Estação Junina e o Réveillon das Docas. Com uma média de um milhão e meio de visitantes ao ano, o local se firmou como um dos principais cartões-postais do estado, oferecendo um mergulho completo na identidade amazônica — com vista, sabor e música.
Tradição em cuias
No mercado mais emblemático de Belém, a cultura amazônica se revela em aromas, sabores e histórias que atravessam séculos. Entre as barracas do Mercado Ver-o-Peso, um prato se destaca como símbolo da gastronomia paraense: o tacacá. Servido em cuias, como nas antigas tradições indígenas do século 16, esse caldo aromático combina tucupi, camarão seco, jambu, goma de mandioca, chicória e alho – ingredientes que traduzem o território em cada colherada.
Alguns historiadores apontam que o tacacá é uma evolução do mani poi, um caldo indígena à base de peixe. Embora a versão com camarão tenha se popularizado, é possível encontrar a receita original em algumas regiões do estado. Seja qual for a versão, o tacacá é muito mais que uma refeição: é um elo entre passado e presente, servido com o sabor autêntico da Amazônia.
Muito além de seu valor gastronômico, o tacacá é parte viva da história do Ver-o-Peso, mercado que há séculos pulsa como coração cultural e comercial de Belém. É entre suas barracas e vielas que tradições culinárias como essa resistem ao tempo, ganhando novos significados e atravessando gerações. A presença constante do tacacá nas cuias de vendedores reforça o papel do Ver-o-Peso não apenas como um centro de abastecimento, mas como um território simbólico onde os sabores da Amazônia contam a história do Pará.
O Ver-o-Peso teve origem em 1625 como um posto de fiscalização e arrecadação de impostos no antigo Porto do Pirí, evoluindo para um dos maiores mercados abertos da América Latina. No século 18, com Belém consolidada como o principal entreposto comercial da região amazônica, o local tornou-se um centro dinâmico de comércio de produtos florestais e artigos europeus. Reconhecido pelo Iphan como patrimônio em 1977, o mercado passou por importantes reformas durante a Belle Époque, período em que foram construídos os Mercados de Peixe (Mercado de Ferro) e de Carne, ambos com forte influência europeia e estruturas metálicas importadas.
Hoje, o Ver-o-Peso se estende por um complexo arquitetônico e paisagístico de 25 mil metros quadrados, que inclui mercados, praças, casario colonial, a Feira do Açaí, a Ladeira do Castelo e a doca das embarcações. Mais do que um centro de comércio, é um espaço de efervescência social e cultural, onde práticas tradicionais e relações simbólicas se entrelaçam. É nesse ambiente vibrante que se expressa a diversidade da Amazônia paraense, tornando o Ver-o-Peso um ícone da identidade local e um dos pontos turísticos mais emblemáticos do Brasil.
Sabor e história
O Círio de Nazaré é a maior manifestação religiosa do Pará e uma das maiores do Brasil, reunindo milhões de fiéis em Belém todos os anos. A procissão celebra Nossa Senhora de Nazaré com fé, emoção e forte expressão cultural. Durante a festa, a cidade se transforma com rituais, comidas típicas e homenagens que unem tradição e devoção. Presença marcante na mesa paraense, especialmente durante o Círio, o pato no tucupi é mais do que uma iguaria – é parte da identidade cultural do estado.
A base do prato, o tucupi, é um líquido amarelo extraído da mandioca-brava, amplamente utilizado pelos povos indígenas como conservante natural para carnes. Ao lado do jambu, erva amazônica de sabor intenso e efeito levemente anestésico, forma o caldo típico que dá alma à receita. Curiosamente, o pato não era um ingrediente comum entre os povos originários da região, que priorizavam peixes e carnes de caça. A introdução da ave na culinária local veio com influências externas, especialmente de culturas do norte das Américas. Com o tempo, ela foi incorporada ao preparo e se transformou em um clássico paraense – um prato que une tradição indígena, intercâmbio cultural e o sabor marcante da Amazônia.
Onde Belém começou
Para encerrar, que tal compreender as origens de Belém? O Forte do Presépio foi construído no século 17 e marca o surgimento da Cidade Velha. Ele teve papel estratégico na defesa do território contra invasores interessados nas terras indígenas. Além da vista privilegiada para o Rio Guamá e do acervo histórico do museu, vale estender o passeio até a vizinha Praça Dom Frei Caetano Brandão. Ali, barracas oferecem quitutes típicos como castanhas, mingau de tapioca, arroz ou milho, além do açaí salgado com peixe frito e farinha – uma verdadeira imersão nos sabores e nas raízes do Pará.
Ficou com vontade de mais? Então siga com a gente nessa imersão saborosa e descubra outros pratos que fazem do Pará um território gastronômico único. Da Estação das Docas ao Ver-o-Peso, já deu para sentir o quanto a culinária local é feita de memória, afeto e pertencimento. Porque, em Belém, comer é também uma forma de viver a Amazônia – com pratos como a tradicional maniçoba, os peixes dos rios amazônicos e as sobremesas feitas com frutas da floresta.
Maniçoba
Conhecida como a “feijoada paraense”, a maniçoba é feita com folhas de mandioca-brava (maniva), que precisam ser cozidas por dias para eliminar substâncias tóxicas. Depois disso, são acrescidas carnes suínas e defumados, como costela, toucinho, linguiça e paio. O cozimento longo intensifica o sabor e transforma o prato em uma verdadeira celebração da cultura local.
Sabores das águas: peixes e mariscos
Os rios da Amazônia oferecem uma variedade de peixes usados na cozinha local, como pirarucu, tambaqui, filhote, mapará, tucunaré, dourada e gurijuba. Preparados fritos, assados ou cozidos, geralmente eles são servidos com arroz, feijão e farinha. Frutos do mar como camarões, caranguejos e ostras também aparecem em diversas receitas típicas. Durante as festas ribeirinhas ou procissões fluviais, como a do Círio Fluvial, esses ingredientes são preparados em mutirões coletivos, nos quais a comida vira parte da expressão de fé e pertencimento.
No Círio Fluvial, os fiéis pedem a intercessão de Maria para que Deus abençoe as embarcações, os romeiros e os rios Tocantins e Itacaiúnas, para que continuem sendo fontes de vida, garantindo o sustento por meio da pesca e fornecendo água para milhares de lares, tanto nas áreas rurais quanto nas cidades.
Doces e frutas da floresta
As sobremesas paraenses são fortemente influenciadas pelas frutas amazônicas, mas o açaí, por exemplo, como citamos, vai além do doce e se torna parte essencial das refeições, servido puro e sem açúcar como acompanhamento de pratos salgados, como peixe frito, camarão, carne e farinhas regionais. Tradicionalmente, é consumido em tigela, com colheradas alternadas entre o peixe e a farinha d’água, típica da região. Uma das combinações mais emblemáticas é justamente o açaí com peixe frito, que traduz os sabores da Amazônia e carrega forte valor cultural e afetivo – expressão viva da identidade alimentar paraense.
O cupuaçu aparece em mousses, pavês e sucos, enquanto o bacuri, o muruci, o taperebá e o camu-camu são transformados em sorvetes, compotas e licores.
Entre os doces mais tradicionais, estão o bolo de macaxeira, feito com mandioca, coco e leite condensado; a mousse de cupuaçu; a cocada de maracujá; e o Monteiro Lopes, um biscoito crocante artesanal típico de Belém do Pará, feito com massa amanteigada e coberto com chocolate e açúcar cristal.
Bebidas para refrescar (ou aquecer) o paladar
As bebidas típicas da região também são marcadas pela diversidade de ingredientes nativos. Além dos sucos naturais de frutas como bacuri, caju, taperebá, camu-camu e graviola, destaca-se a cajuína, suco fermentado de caju muito consumido no estado.
Há ainda curiosidades como o tacacá bebido em caldo quente e o controverso Guaraná Jesus, de sabor adocicado e cor rosa, mais popular no Maranhão, mas também encontrado em Belém.
Temperos, texturas e tradição
O uso de ervas frescas, como alfavaca, chicória, coentro e cheiro-verde, junto às pimentas regionais (como a pimenta-de-cheiro e a murupi), confere profundidade aos pratos. Muitos ingredientes são vendidos em feiras livres e mercados como o Ver-o-Peso, onde a gastronomia se mistura ao cotidiano do povo. Aliás, lembrando, o Ver-o-Peso é muito mais que um mercado: é um patrimônio cultural, onde o saber culinário se transmite pela oralidade, pelo olhar atento das cozinheiras e pelos aromas que flutuam sobre as bancas.
Provar a comida de Belém é compreender a relação entre povo, território e natureza. É experimentar a espiritualidade do Círio, a alegria dos arraiais, a força das tradições orais e o cotidiano das feiras populares. Cada prato revela séculos de resistência, adaptação e criatividade. Não importa se é à beira do rio, em uma feira popular ou em um restaurante renomado – a capital paraense convida todos os visitantes a mergulharem de cabeça em uma das cozinhas mais autênticas e biodiversas do Brasil.
Em Belém, a Amazônia não é só vista. Ela é degustada.
0800 814 1516
Segunda a sexta-feira, das 8h às 18h e
sábado, das 8h às 14h
atendimento.turismo@bancobras.com.br